A Virgem Maria em oração

Maio florido, mês mariano: bem decorrido, o melhor do ano. Traz a esperança de um Verão vibrante, entre um passo de dança e a praia escaldante. O seu génio primaveril põe termo às trevas geladas do inverno e anuncia as mil e uma noites cálidas de verão, sonhos fantasiosos e contos alongados. O melhor de Maio são as flores à mãe de Jesus e a esperança que elas simbolizam. Flores e orações a Maria! Mas hoje pensamos na oração de Maria.

Segundo Lucas (1,26-38), a Palavra de Deus simbolizada no seu mensageiro dirige-se a Maria que está à escuta, elevada forma de oração. A saudação reza: “alegra-te, ó cheia de graça, o Senhor está contigo”. Esta nota de alegria manifesta o seu sentido genuíno quando percebemos que se retoma à letra o vocabulário bíblico da alegria transbordante na perspectiva da espera do Messias por parte da “filha de Sião”, símbolo do povo bíblico. Os profetas Sofonias e Zacarias tinham convidado a filha de Sião à alegria, associando o imperativo «alegra-te» à espera da libertação do povo: “Rejubila, filha de Sião…; alegra-te [khaire] e exulta de todo o coração, filha de Jerusalém…; o Senhor, rei de Israel, está contigo…; não temas, Sião…: o Senhor, teu Deus, está contigo, poderoso salvador” (So 3,14; ver Za 9,9). Portanto, podemos entender assim a saudação angélica: ‘alegra-te, ó cheia de graça, ó agraciada, ó engraçada, graciosa, porque se cumpriu o que tinha sido intuído e dito pelos profetas’. “O Senhor está contigo”, fórmula puxada dos relatos de vocação no Antigo Testamento, significa: o Senhor convoca-te para o servires, para realizares o que Ele quer fazer de ti e contigo.

Maria de Nazaré aparece nesta cena evangélica como modelo de discernimento cristão, a descobrir a vontade de Deus para si, em oração e meditação. Se há pessoas que vão ter com os acontecimentos, Maria, confrontada com a Palavra de Deus, deixou-se surpreender pelo acontecimento (dabar em hebraico) que veio ter com ela, pelo Deus que é sempre mistério e Palavra. A sua fé orante, que era conhecimento por meio do amor, “interrogava-se”, a partir da vida que queria ser iluminada, “que significaria aquela saudação”, pedindo luz para o caminho novo a fazer entre palavras cruzadas. Maria fez perguntas à Palavra de Deus sobre a sua vocação, querendo compreender a possibilidade de realização da Palavra proposta pelo anjo. Ele responde-lhe: “não é impossível da parte de Deus”.

Captada a vontade de Deus na oração com as Escrituras, Maria deu o seu sim determinado e aberto à grande proposta. Se a graça e a beleza associadas pelo anjo a Maria deixavam a impressão de delicadeza ténue – como a pureza da flor apenas desabrochada, não tocada, bem precioso que se pode perder –, ela tranquilizou todo o mundo interessado, ao responder segura: “Eis a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra”. Supremo acto de liberdade da servidora da Palavra! Não renunciava a nada: oferecia tudo. Não excluía nada: incluía tudo o que de bom tinha para dar. Ao deparar com o plano salvador (= “a tua Palavra”), Maria enfrentava uma realidade que era imensamente maior do que ela. Mas aceitou-a com o sim livre, que resumia toda a sua existência perante Deus e era, como diria Dante, o “termo fixado de um plano eterno” (Divina ComédiaParaíso, canto XXXIII, 3). Resposta ao dom que a “enchia de graça”, resposta esperada pela graça e eco fiel ao plano de Deus para a humanidade, também era um incomensurável contributo para a máxima elevação da natureza humana e dignificação da personalidade crente. Assim pôs Dante S. Bernardo a rezar a Maria com “esta santa oração”: “Virgem mãe, filha do teu filho, / humilde e alta mais que criatura… / Tu és aquela que humana natura / nobilitaste… Em ti se concentra quanto há de bondade nas criaturas” (Divina ComédiaParaíso, XXXIII, 1-2.4.21). A feliz conjunção da Palavra de Deus com a palavra orante dela deu um rumo novo à sua vida. Esse acto da fé mais pura confere-lhe um lugar único no projecto divino da salvação dos humanos, bem percebido pela tão profunda e universal devoção dos fiéis.

A nota de humildade que se costuma entrever na disposição de Maria ao rezar com a expressão “eis a serva do Senhor” é insuficiente para compreender o seu conteúdo. Na Bíblia, “servo do Senhor” é título de glória e não propriamente de humildade. Caracteriza as grandes personagens que se sentiram chamadas por Deus para um papel decisivo nas etapas da história da salvação. “Servo do Senhor” chama-se a Abraão, a Moisés, a Josué, a David, aos profetas e àquela figura, desenhada por Isaías, em quem se verá reflectido e anunciado o Messias. Então, ao apresentar-se como “serva do Senhor”, Maria toma consciência de que na rapariga simples que ela era Deus queria realizar a grandiosa intervenção definitiva da história da salvação, como reza ela: “o Senhor… pôs o olhar na pequenez da sua serva…, o Todo-poderoso fez em mim grandes coisas”. Assim Maria afirmava a consciência da sua vocação, aceitava o dom do amor de Deus e a missão de ser a mãe do que “será chamado filho de Deus”. No seu “eis-me aqui” a Deus, brilha a sua fé sem hesitações; brilha a graça salvadora que a enriquece; brilha ela na atitude da oração que acolhe Deus na vida.

Armindo Vaz, OCD