Domingo I do Advento (Ano A)

Caríssimos irmãos e irmãs em Cristo,

Iniciamos hoje um novo ano litúrgico. O Advento abre-nos novamente a porta da esperança, convidando-nos a erguer o olhar, a afinar o coração e a renovar o desejo de Deus. A Palavra que a Igreja nos propõe neste primeiro domingo é exigente, talvez até desconcertante, porque fala de vigilância, de surpresa e de um futuro que não dominamos. O evangelho de São Mateus leva-nos àquela palavra breve mas decisiva de Jesus: “Vigiai!”

Jesus recorda-nos os dias de Noé: “Como nos dias de Noé, assim será a vinda do Filho do Homem.” O que havia de particular nesses dias? Não era o facto de haver grande maldade ou algum acontecimento extraordinário. O Senhor diz algo mais simples e, por isso mesmo, mais inquietante: as pessoas viviam mergulhadas no quotidiano — comiam, bebiam, casavam… Tudo normal, tudo “como sempre”. E justamente aí está o problema. Viviam como se Deus não existisse, como se a história fosse apenas um ciclo natural de afazeres, conquistas e rotinas. Viviam distraídos, anestesiados pela normalidade.

O anúncio de Jesus não pretende provocar medo; pretende, isso sim, acordar-nos. O que destrói a vida espiritual, o que impede o encontro com Deus, não é tanto a maldade aberta, mas a indiferença, o adormecimento interior, aquela atitude que diz: “Ainda não é preciso mudar”, “um dia terei tempo”, “Deus espera”. Sim, Deus espera, mas a vida não. E a salvação acontece no hoje.

Jesus prossegue com duas pequenas parábolas: dois homens no campo – um será levado e outro deixado; duas mulheres a moer – uma será levada e outra deixada. À primeira vista, parecem palavras duras. Mas, na verdade, elas revelam algo muito importante: não é o lugar que ocupamos, não é a actividade que realizamos, nem é a aparência da nossa vida que nos salva. É o coração. É a relação viva com Deus. Dois homens fazem o mesmo trabalho; duas mulheres realizam a mesma tarefa. Mas o interior não é igual. O Advento convida-nos justamente a olhar para dentro, a perceber onde está o nosso coração.

E Jesus conclui: “Se o dono da casa soubesse a que horas viria o ladrão, vigiaria.” A imagem do ladrão é provocadora, mas é pedagógica. O Senhor não vem para roubar; vem para salvar. Porém, chega na hora que menos esperamos, para que não vivamos de cálculos, mas de amor. Quem ama não vigia por obrigação; vigia porque deseja, porque espera, porque o coração está aceso.

Irmãos e irmãs, este é o grande apelo do Advento:
Desperta! Recomeça! Reacende o desejo de Deus!

O Advento não é um tempo de ansiedade, mas de expectativa confiante. A sociedade à nossa volta já entrou na pressa do Natal comercial, mas a Igreja convida-nos a outra preparação, mais profunda e mais verdadeira. Não se trata apenas de preparar a celebração do nascimento de Jesus há dois mil anos; trata-se de abrir espaço para a vinda de Cristo agora — na nossa história, nas nossas famílias, nas nossas feridas, nos nossos sonhos. E trata-se, também, de orientar a vida para a vinda definitiva do Senhor no fim dos tempos.

Perguntemo-nos, então, com humildade:

Estou vigilante ou distraído?
O meu coração ainda espera algo de Deus?
A minha vida é conduzida pela fé ou apenas pelo ritmo dos dias?
Sou capaz de fazer silêncio, de rezar, de escutar, de me converter?

A vigilância cristã não é medo de perder algo; é o cuidado de não perder Alguém. Não é uma ansiedade nervosa, mas uma atenção amorosa. Quem está à espera de alguém que ama, prepara a casa, põe ordem na vida, reserva tempo, abre espaço.

Talvez este Advento seja para nós um convite a limpar aquilo que nos ocupa demasiado, a retirar o ruído que abafa a voz de Deus, a voltar a pequenos gestos que reacendem a fé: um momento diário de oração, uma leitura breve do Evangelho, um pedido de perdão, um acto de caridade escondida. A vigilância vive-se em gestos simples, mas verdadeiros.

Caríssimos irmãos, o Senhor está próximo.
O Advento recorda-nos que Deus nunca desiste de nós. Ele vem sempre, silenciosamente, inesperadamente, humildemente. E quer encontrar-nos de coração desperto, vigilante, desejoso.

Que Maria, Virgem da Expectação, nos ensine a viver este tempo com um coração aberto. Ela é a mulher vigilante por excelência — que escuta, que acolhe, que se deixa surpreender por Deus. Que ela nos acompanhe para que, no meio das rotinas da vida, saibamos reconhecer a visita do Senhor.

Assim seja.

Domingo XXXIV do Tempo Comum (Ano C)

Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo

Caríssimos irmãos e irmãs,

Celebramos hoje a Solenidade de Cristo Rei, que encerra o ano litúrgico e nos convida a contemplar o Senhor Jesus como centro da história, sentido da nossa vida e meta da nossa caminhada. Mas, ao proclamarmos Cristo como Rei, não nos referimos a um rei à maneira do mundo, revestido de poder, ostentação ou domínio. O Evangelho mostra-nos exatamente o contrário: o trono de Jesus é a cruz; a sua coroa é de espinhos; o seu poder é o amor que se entrega até ao fim.

É precisamente na cruz que Jesus manifesta a verdadeira realeza. O Evangelho deste domingo coloca-nos diante de um diálogo impressionante entre Cristo e o “bom ladrão”. Um homem condenado, pendente da cruz, reconhece em Jesus aquilo que muitos poderosos da época não foram capazes de ver: “Jesus, lembra-te de mim quando vieres no teu reino”. E Jesus responde com a promessa mais bela e consoladora: “Hoje estarás comigo no Paraíso”.

Que Reino é este, diante do qual um pecador arrependido é acolhido de imediato? O Reino de Cristo não se funda em territórios ou riquezas, mas na misericórdia, na justiça, na paz e na verdade. É um Reino que transforma o coração humano e nos abre à vida eterna. O poder de Cristo é o poder de quem perdoa, cura, levanta, reconcilia e introduz cada pessoa na dignidade de filho amado do Pai.

Caríssimos, ao celebrarmos Cristo Rei, somos também chamados a examinar a nossa vida para ver se realmente O deixamos reinar em nós. Deixamos que Cristo reine nos nossos pensamentos, nas nossas escolhas, no modo como tratamos os outros? Permitimos que Ele reine na nossa família, nos nossos relacionamentos, no nosso trabalho, na nossa comunidade cristã? Ou, pelo contrário, substituímo-Lo por outros “reis”: o individualismo, o consumismo, o orgulho, o poder, o comodismo?

Cristo deseja reinar, mas não força a porta: Ele pede o nosso “sim”. É um Rei que serve, que lava os pés, que procura a ovelha perdida, que acolhe o pecador arrependido. A sua realeza manifesta-se na capacidade de transformar o coração humano, quando este se abre à sua graça.

Hoje, ao concluirmos o ano litúrgico, a Igreja recorda-nos que toda a história converge para Cristo. Um dia Ele será tudo em todos. E nós, que hoje caminhamos muitas vezes entre sombras, dúvidas e fragilidades, seremos plenamente iluminados pela sua glória. Esta festa é, portanto, um convite à esperança. Não caminhamos ao acaso. Caminhamos para um encontro: o encontro definitivo com Cristo, Rei do Universo e Rei dos nossos corações.

Peçamos ao Senhor a graça de O reconhecermos como Rei na nossa vida e de nos deixarmos conduzir por Ele. Como o bom ladrão, saibamos dizer com sinceridade: “Jesus, lembra-te de mim”. E como resposta, possamos ouvir sempre a sua voz: “Hoje estarás comigo…”.

Que Cristo Rei reine nas nossas famílias, nas nossas paróquias e na nossa sociedade, pela força do amor que salva.

Amen.

Domingo XXXIII do Tempo Comum (Ano C)

Queridos irmãos e irmãs,

O Evangelho de hoje apresenta-nos Jesus diante do esplendor do Templo de Jerusalém. Muitos admiravam a beleza das pedras, a grandeza da construção, aquilo que os olhos humanos facilmente tomam como sinal de glória e segurança. Mas Jesus surpreende-os com palavras duras: “Dias virão em que não ficará pedra sobre pedra…”.

Estas palavras não são uma ameaça; são um convite. Jesus está a dizer-nos que não coloquemos a nossa confiança naquilo que é exterior, passageiro, frágil, mesmo quando parece grandioso. Tudo o que é humano — estruturas, riquezas, prestígio, beleza — está sujeito a cair. Mas o que permanece para sempre é a fidelidade de Deus e a fidelidade do coração humano a esse Deus.

E é exatamente nesta lógica que se insere o Dia Mundial dos Pobres. Porque os pobres, os frágeis, os descartados da sociedade, são aqueles que nos obrigam a olhar para além das “pedras bonitas” do mundo. Eles recordam-nos o essencial: a dignidade humana não é medida pelo que alguém possui, mas pelo amor com que é amado e com que ama.

Jesus avisa os discípulos de dificuldades, conflitos, perseguições, e até de traições dentro da própria família. No entanto, repete uma promessa fundamental: “É pela vossa perseverança que salvareis as vossas vidas.” A perseverança não é teimosia humana; é a coragem de confiar em Deus quando tudo parece desmoronar.

Hoje, ao meditarmos o Evangelho, o Senhor pede-nos duas atitudes:

Vivemos num tempo que valoriza o sucesso, o dinheiro, o consumo, a imagem. Mas Jesus diz claramente: tudo isso passa. A grande pergunta é: onde está construída a nossa vida? Em Deus ou nas aparências?

A presença de tantos irmãos nossos que vivem na pobreza — material, espiritual, relacional — é uma denúncia silenciosa das nossas prioridades enquanto sociedade. Eles chamam-nos a reconstruir o mundo não sobre pedras imponentes, mas sobre a justiça, a partilha e a compaixão.

Jesus não promete ausência de problemas. Promete, sim, a sua presença fiel. Promete que nenhum fio de cabelo se perderá diante de Deus. Promete que o amor vivido até ao fim — mesmo em pequenas coisas — tem valor eterno.

Neste Dia Mundial dos Pobres, a Igreja renova o seu compromisso de ser “hospital de campanha”, como diz o Papa Francisco: um lugar onde quem cai encontra mãos que levantam, onde ninguém é invisível, onde a dignidade é sempre reconhecida.

Mas este compromisso não é apenas institucional; é pessoal. Cada um de nós é chamado a olhar para os pobres não como destinatários da nossa generosidade, mas como irmãos, como rosto de Cristo. Porque, como Jesus nos ensina noutro lugar, “tudo o que fizestes a um dos meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes”.

Quando tudo parece tremer — na Igreja, no mundo, na nossa própria vida —, Deus constrói em silêncio um templo invisível: o templo dos corações pobres, humildes e perseverantes. É essa “obra” que não cairá jamais.

Peçamos ao Senhor que, neste dia dedicado aos pobres, Ele nos converta o olhar, nos dê a graça da compaixão, e nos ensine a perseverar no amor que salva. Assim a nossa vida deixará de depender de pedras exteriores e será construída sobre a rocha firme que é Cristo.

Ámen.

Dedicação da Basílica de Latrão

Caríssimos irmãos e irmãs em Cristo,

Hoje celebramos com toda a Igreja a Dedicação da Basílica de São João de Latrão, a catedral do Papa, Bispo de Roma, e, por isso, a mãe e cabeça de todas as igrejas do mundo. Esta celebração convida-nos a elevar o olhar para o mistério da Igreja, casa de Deus e casa de todos os seus filhos.

O Evangelho que acabámos de ouvir apresenta-nos Jesus a purificar o templo de Jerusalém. Encontrando-o cheio de comerciantes e cambistas, o Senhor faz um chicote de cordas e expulsa-os, dizendo:

“Não façais da casa de meu Pai uma casa de comércio.”

Com este gesto profético, Jesus recorda a todos que a casa de Deus é lugar de encontro, de oração e de adoração, não de interesse nem de vaidade humana. Mas o Evangelho vai mais longe: quando os judeus Lhe perguntam com que autoridade faz aquilo, Jesus responde:

“Destruí este templo, e em três dias o levantarei.”

Eles pensavam no templo de pedra, mas Ele falava do templo do seu corpo.

Aqui está o coração da nossa celebração de hoje. O verdadeiro templo onde Deus habita não é feito de mármore nem de ouro, mas é o corpo de Cristo, morto e ressuscitado. Em Jesus, Deus veio habitar no meio de nós. Ele é o novo e eterno Templo. E, pela graça do Batismo, nós tornámo-nos membros desse Corpo, templos vivos do Espírito Santo.

Basílica de Latrão, que hoje festejamos, é sinal visível dessa realidade invisível. É um edifício que representa a unidade da Igreja espalhada pelo mundo. Ao celebrar a sua dedicação, não olhamos apenas para as paredes de pedra, mas para a Igreja viva, feita de homens e mulheres que acolhem a presença de Deus.

Cada igreja consagrada é um sinal concreto de que Deus quer habitar connosco. Cada vez que entramos num templo, somos convidados a renovar esta consciência: não estamos apenas num espaço sagrado — somos nós o templo que Ele santifica.

Mas esta festa também nos provoca: será que o templo do nosso coração está limpo e aberto à presença de Deus? Ou está cheio de ruído, distrações e apegos que nos afastam do essencial? Jesus, ao purificar o templo de Jerusalém, também deseja purificar o interior de cada um de nós — para que o Pai possa habitar verdadeiramente no nosso coração.

Queridos irmãos, celebrar esta dedicação é renovar o nosso amor pela Igreja: não apenas pelo edifício material onde nos reunimos, mas pela comunidade que somos, corpo vivo de Cristo.

Cuidemos da Igreja como cuidamos da nossa casa, com zelo, com fé, com amor. E peçamos a graça de sermos pedras vivas deste templo espiritual, firmes na caridade e unidos em comunhão com o Papa e toda a Igreja.

Que a Virgem Maria, Mãe da Igreja, nos ajude a conservar puro o templo do nosso coração e a fazer da nossa vida um lugar onde Deus possa ser amado e conhecido.

Ámen.

Comemoração de Todos os Fiéis Defuntos

Caríssimos irmãos e irmãs em Cristo,

Hoje, a Igreja reúne-nos num espírito de oração, de memória e de esperança. Celebramos o Dia de Todos os Fiéis Defuntos — o “Dia de Finados”, como popularmente se diz —, um dia profundamente humano e, ao mesmo tempo, profundamente cristão. É o dia em que recordamos, diante de Deus, todos os que nos precederam na fé e partiram desta vida. Não o fazemos com tristeza sem esperança, mas com a confiança serena de quem acredita que a morte não é o fim, mas a passagem para a plenitude da vida em Deus.

A liturgia de hoje convida-nos a olhar para a morte à luz da fé pascal. Lemos no Livro da Sabedoria: “As almas dos justos estão nas mãos de Deus e nenhum tormento as atingirá”. Que promessa maravilhosa! O amor de Deus não se quebra com a morte. O que parece perda, aos olhos humanos, é, na verdade, cumprimento do desígnio divino. Aqueles que amaram, que viveram com fé, que procuraram o bem, estão nas mãos do Senhor.

Jesus afirma: “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna, e Eu o ressuscitarei no último dia”. Estas palavras dão sentido à nossa celebração de hoje. Cada Eucaristia é já uma antecipação do banquete eterno. Ao celebrarmos este mistério, unimo-nos não só a Cristo, mas também a todos os que dormem no Senhor. A comunhão dos santos é esta realidade misteriosa e bela: no Corpo de Cristo, vivos e defuntos permanecem unidos.

É natural que o nosso coração sinta saudade. A ausência dos que amamos é dolorosa. Mas a fé transforma essa saudade em oração e esperança. A oração pelos defuntos é expressão da nossa caridade: confiamos os nossos entes queridos à misericórdia divina, pedindo que o Senhor os purifique, os acolha e lhes conceda a luz eterna. E, ao mesmo tempo, deixamo-nos também purificar e renovar na fé, lembrando que a nossa vida se encaminha para a mesma meta.

Irmãos, o Dia de Todos os Fiéis Defuntos é também um convite à conversão. Recorda-nos que somos peregrinos nesta terra, a caminho da casa do Pai. Cada gesto de amor, cada perdão, cada partilha, é uma semente de eternidade. Como dizia Santo Agostinho: “Não chorem se me amam; fiquem unidos a mim por um laço invisível de amor.” Assim, unidos no amor de Cristo, a morte perde o seu poder. 

Rezemos, pois, pelos nossos irmãos defuntos — familiares, amigos, e todos os que ninguém recorda. Peçamos que o Senhor lhes abra as portas do Paraíso. E rezemos também por nós, para que vivamos com o coração voltado para o Céu, firmes na esperança da ressurreição.

Dai-lhes, Senhor, o eterno descanso, e brilhe para eles a luz perpétua.
Amen.​​​​​​​Pe. José Arun

Domingo XXX do Tempo Comum (Ano C)

Queridos irmãos e irmãs em Cristo,

O Evangelho de hoje apresenta-nos uma parábola bem conhecida, mas sempre nova na sua profundidade: o fariseu e o publicano que sobem ao Templo para rezar. Jesus dirige esta parábola “a alguns que confiavam em si mesmos, por se julgarem justos, e desprezavam os outros”.

Aqui, o Senhor convida-nos a olhar para dentro de nós, para o modo como nos apresentamos diante de Deus e dos outros.

O fariseu, homem religioso, cumpridor da Lei, sobe ao Templo e começa a rezar — ou melhor, começa a falar de si próprio. A sua oração é uma espécie de lista de méritos: “Jejuo duas vezes por semana, pago o dízimo…” E, ao mesmo tempo, aponta o dedo aos outros: “não sou como esse publicano”. É uma oração cheia de orgulho e de comparação, onde Deus quase desaparece.

Já o publicano, homem considerado pecador público, permanece ao fundo, não se atreve a levantar os olhos ao Céu. Bate no peito e diz: “Meu Deus, tem piedade de mim, que sou pecador.” Esta é uma oração curta, humilde e verdadeira. Ele reconhece a própria miséria, mas confia na misericórdia divina.

Jesus conclui: “Eu vos digo, este desceu justificado para sua casa, e não o outro.”
O fariseu foi ao Templo e saiu igual. O publicano foi ao Templo e saiu transformado.

A questão central é esta: como é que rezamos?
Rezamos para nos justificar diante de Deus, ou para nos deixarmos justificar por Ele?
Rezamos para provar que somos melhores, ou para reconhecer que tudo o que somos vem da Sua graça?

Na oração do fariseu há orgulho, e o orgulho fecha o coração.
Na oração do publicano há humildade, e a humildade abre o coração à graça.

A fé cristã não é um concurso de virtudes, mas uma história de amor e misericórdia.
Deus não nos pede perfeição sem falhas, pede-nos um coração sincero, arrependido e confiante.
É por isso que Jesus nos diz: “Quem se exalta será humilhado, e quem se humilha será exaltado.”

Irmãos e irmãs, este Evangelho é um espelho.
Quantas vezes também nós rezamos como o fariseu, comparando-nos, julgando, sentindo-nos seguros nas nossas boas obras…
E quantas vezes precisamos de voltar ao essencial, como o publicano, reconhecendo simplesmente: “Senhor, tem piedade de mim.”

Hoje, o Senhor chama-nos à verdadeira oração, que nasce da verdade sobre nós mesmos.
Quando reconhecemos as nossas fraquezas, não para nos condenarmos, mas para nos abrirmos à Sua misericórdia, então a graça de Deus pode agir.


Que saibamos aproximar-nos do altar não para nos gloriarmos, mas para nos deixarmos salvar.
E que a nossa oração, como a do publicano, toque o coração de Deus, que é sempre maior do que o nosso pecado.

Ámen.

Domingo XXIX do Tempo Comum (Ano C)

Caríssimos irmãos e irmãs em Cristo,

Hoje, a Igreja em todo o mundo celebra o Dia Mundial das Missões — um momento privilegiado para renovarmos o ardor missionário que nasce do nosso batismo. O Papa recorda-nos que “a missão está no coração da fé cristã”, porque não podemos conhecer verdadeiramente Cristo sem sentir o desejo de O dar a conhecer aos outros.

As leituras deste domingo falam-nos, de diferentes formas, desse chamamento universal à missão.
Na primeira leitura, o profeta Isaías recorda-nos que Deus envia os seus servos para anunciar a Boa Nova a todos os povos. O envio é sempre iniciativa de Deus — Ele chama, Ele envia, Ele sustenta.
No Evangelho, Jesus envia os discípulos dois a dois, pedindo-lhes simplicidade, confiança e coragem. Não vão por conta própria, mas em nome d’Aquele que os envia. E a mensagem é clara: “O Reino de Deus está próximo.”

Queridos irmãos,
Ser missionário não é apenas ir para longe — para a África, a Ásia ou a Amazónia — embora isso continue a ser um testemunho admirável e necessário. Ser missionário começa aqui, na nossa paróquia, na nossa família, no nosso local de trabalho. Cada batizado é um enviado, um missionário da esperança no meio do mundo.

Hoje, mais do que nunca, o mundo precisa de testemunhas coerentes, de cristãos que anunciem o Evangelho com a vida e não apenas com palavras. Num tempo em que há tanto ruído, tanta divisão e indiferença, a melhor pregação é a da caridade, da escuta e do serviço humilde.

O Papa Francisco lembrava-nos que a missão não é proselitismo, mas partilha de amor. É deixar que o Espírito Santo fale através de nós. E é também — e muito concretamente — apoio material e espiritual aos missionários que estão nas periferias do mundo. Por isso, neste Dia Mundial das Missões, somos convidados à oração e à generosidade. O ofertório missionário de hoje é um gesto concreto de comunhão com aqueles que anunciam Cristo em terras distantes.

Mas, acima de tudo, que este dia reavive em nós a consciência de que a Igreja existe para evangelizar. Não podemos ficar fechados nas nossas comunidades, satisfeitos com o que já temos. O Evangelho pede movimento, saída, ousadia. Cada um de nós é chamado a ser “discípulo missionário”, como tantas vezes nos disse o Papa Francisco.

Que Maria, a Estrela da Evangelização, nos acompanhe neste caminho.
E que, ao celebrarmos este Dia Mundial das Missões, possamos dizer com o profeta:
“Eis-me aqui, Senhor, envia-me!”

Ámen.

DOMINGO XXVIII DO TEMPO COMUM (Ano C)

Queridos irmãos e irmãs em Cristo,

O Evangelho de hoje apresenta-nos uma passagem profundamente humana e teologicamente rica: a cura dos dez leprosos. Jesus, a caminho de Jerusalém, passa entre a Samaria e a Galileia — uma fronteira simbólica, um lugar de mistura e de exclusão. É precisamente ali, nas margens, que Ele se encontra com aqueles que viviam afastados, excluídos por causa da lepra.

A primeira coisa que notamos é que Jesus não evita os leprosos. Eles, de longe, clamam: “Jesus, Mestre, tem compaixão de nós!” E Jesus ouve. O seu olhar é sempre atento ao sofrimento humano. Não é um olhar de julgamento, mas de misericórdia. O Senhor não apenas cura doenças; Ele restaura pessoas, devolve dignidade, reintegra na comunidade.

Jesus não faz um gesto espetacular. Apenas diz: “Ide mostrar-vos aos sacerdotes.” É um convite à fé e à obediência. Eles ainda não estavam curados, mas puseram-se a caminho — e foi enquanto iam que ficaram curados. Aqui está uma lição preciosa: muitas vezes, a graça de Deus manifesta-se no caminho da confiança. Quando damos passos de fé, mesmo sem ver ainda o resultado, Deus age.

Mas o Evangelho não termina na cura. O centro da mensagem está no que vem a seguir: apenas um voltou para agradecer. E esse era samaritano — um estrangeiro, um herege aos olhos dos judeus. É este que reconhece a mão de Deus e volta para dar glória a Jesus, prostrando-se aos seus pés.

Jesus pergunta: “Não foram dez os curados? Onde estão os outros nove?”
A ingratidão dos nove não anula a graça recebida, mas revela um coração que ficou apenas na superfície. Só aquele que agradece entra verdadeiramente na relação com Deus. Os outros receberam a saúde; este recebeu também a salvação. Por isso Jesus lhe diz: “Levanta-te e vai; a tua fé te salvou.”

Meus irmãos, esta passagem convida-nos a olhar para a nossa própria vida. Quantas vezes Deus nos abençoa, quantas curas silenciosas, quantos dons recebemos — e quantas vezes esquecemos de voltar para agradecer! Vivemos num mundo onde a pressa e a indiferença nos fazem perder o sentido do dom.

O cristão é chamado a viver com um coração agradecido. A Eucaristia — que celebramos agora — é precisamente isso: ação de graças. Cada missa é um “obrigado” a Deus por tudo o que Ele faz por nós, mesmo quando não o percebemos plenamente.

Peçamos ao Senhor que nos dê o olhar do samaritano curado: um olhar que reconhece, um coração que se comove, uns lábios que sabem agradecer. Que a nossa fé não seja apenas uma busca de milagres, mas uma resposta de amor e gratidão Àquele que nos salva.

E que, tal como o samaritano, também nós possamos ouvir de Jesus:
“Levanta-te e vai; a tua fé te salvou.”

Amen.

Domingo XXVII do Tempo Comum (Ano C)

Caríssimos irmãos e irmãs em Cristo,

O Evangelho de hoje apresenta-nos duas lições fundamentais da vida cristã: a fé e o serviço humilde.

Os apóstolos fazem a Jesus um pedido muito simples e, ao mesmo tempo, muito profundo: “Aumenta a nossa fé!” Não pedem mais milagres, nem poder, nem sabedoria — pedem fé. Sabem que, sem fé, não há caminho possível no seguimento de Cristo. E Jesus responde com uma imagem desarmante: “Se tivésseis fé como um grão de mostarda, diríeis a esta amoreira: ‘Arranca-te e vai plantar-te no mar’, e ela obedecer-vos-ia.”

O grão de mostarda é uma das sementes mais pequenas que existiam na Palestina. Jesus escolhe-a de propósito: para mostrar que a fé verdadeira não se mede pela quantidade, mas pela qualidade e pela confiança total em Deus. Uma fé viva, mesmo pequena, pode realizar coisas humanamente impossíveis, porque confia inteiramente no poder e no amor de Deus.

Quantas vezes nós, como os discípulos, sentimos que a nossa fé é pequena? Diante das dificuldades, das injustiças, das doenças, das dúvidas… parece que a fé se esgota. Mas Jesus hoje recorda-nos: não é preciso ter uma fé grande, mas uma fé autêntica. Uma fé que não se apoia nas nossas forças, mas em Deus. O problema não é o “tamanho” da fé, é o a quem confiamos a nossa vida.

Depois, Jesus acrescenta uma parábola que, à primeira vista, parece dura: a do servo que, depois de trabalhar o dia todo, chega a casa e ainda serve o seu senhor, sem esperar agradecimento. No fim, Jesus conclui: “Assim também vós, quando tiverdes feito tudo o que vos foi mandado, dizei: Somos servos inúteis; fizemos o que devíamos fazer.”

Este é o segundo ensinamento: o do serviço humilde. No Reino de Deus, ninguém faz favores a Deus. Tudo o que somos, tudo o que fazemos de bom, é graça. O discípulo não serve para ser elogiado, mas porque ama o seu Senhor. O verdadeiro servo não procura reconhecimento, mas a alegria de cumprir a vontade de Deus.

Na lógica do mundo, vale quem é servido. Na lógica do Evangelho, vale quem serve. É isso que Jesus nos ensina com o seu exemplo: Ele, o Senhor, fez-Se servo de todos, lavou os pés aos discípulos, deu a vida por nós na cruz. E pede-nos que O sigamos neste mesmo caminho de humildade e entrega.

Queridos irmãos, o Evangelho de hoje convida-nos a duas atitudes essenciais:

A confiança simples e firme em Deus, mesmo quando tudo parece difícil.

A humildade no serviço, reconhecendo que tudo o que fazemos de bom é graça e não motivo de vaidade.

Peçamos, como os apóstolos: “Senhor, aumenta a nossa fé!”
Que a nossa fé, mesmo pequenina como um grão de mostarda, seja viva e fecunda;
e que o nosso serviço, humilde e discreto, seja sinal do amor de Cristo no mundo.

Ámen.